Edward John Gregory – Chiaroscuro: artistas pouco reconhecidos
- Bibistriz
- 23 de mai.
- 3 min de leitura
Ao estudarmos história da arte de forma superficial, conhecemos grandes pintores — em sua maioria, mestres do afresco ou da pintura a óleo — e escultores, cujas obras canonizaram-se na linha do tempo. Raramente encontramos menção de algum grande aquarelista; no máximo, nos deparamos com alguém como Albrecht Dürer, mestre da gravura, e suas belas aquarelas. Artistas que se dedicaram exclusivamente a essa técnica, elevando-a ao patamar das outras mídias de arte, raramente vêm à luz.
Há uma clara distinção dentro do sistema artístico entre arte e ilustração, e mesmo ilustradores famosos, como Norman Rockwell, são privados até hoje do tão cobiçado título de artista. A aquarela costuma pairar sobre esse limbo que existe entre a arte e a ilustração e é ofuscada pelo prestígio de outras mídias, assim como seus praticantes. Nesta busca por nomes de destaque na técnica, deparei-me com talentos pouquíssimo discutidos, perdidos pelo tempo e que habitam páginas de leilões junto de preços modestos (se comparados a outras obras de arte).
Um desses artistas que me chamou a atenção é o Britânico Edward John Gregory (1850-1909), excelente na pintura a óleo e gravura, mas ainda mais célebre na aquarela — não por acaso, visto que em 1898 tornou-se presidente da Royal Institute of Painters in Water Colours, em Londres. Destacou-se com uma pintura a óleo que ficou em posse do artista John Singer Sargent, chamada Dawn (Aurora, em português), de 1925.

Muitos dos seus trabalhos em aquarela que podem ser encontrados são extremamente complexos na execução. Sem mistura de técnicas como guache e afins, Edward John Gregory aproveitava a pureza da aquarela para elevá-la ao seu auge, sobrepondo diferentes aguadas com cores delicadas. O que pode parecer simples ao descrever é, na verdade, uma tarefa dificílima de realizar; controlar com primor um material imprevisível como a aquarela é um grande feito.
Dentre todos que encontrei, o mais surpreendente é, de longe, o Retrato de Leslie Newall reclinada em um sofá. Trata-se de uma aquarela relativamente grande, 55 cm por 77 cm, com um nível inacreditável de detalhamento em toda sua composição. O refino dos pequenos detalhes, como a estamparia do sofá e os objetos ao redor, é de uma delicadeza sublime, digna de um mestre. A paleta de cores suave, tão utilizada nos retratos infantis, proporciona uma atmosfera acolhedora e nostálgica; é como se Edward pudesse transpor memórias idealizadas e imbuídas de sentimentos e sensações por meio da arte.

Também destaca-se o seu retrato em aquarela Moça com Violetas (Srta. Ryder), composto por uma jovem posando em meio a um ambiente orientalista vitoriano. Um mestre como Edward ostentava as suas habilidades, por mais simples que o trabalho se propusesse a ser.

É compreensível que, para muitos, seu corpo de trabalho seja entediante ou banal; nitidamente, sua preocupação não era provocar um diálogo com a sociedade, nem escondia muitas camadas simbólicas, tampouco fugia do esperado para um homem em sua posição. Porém, negar seu mérito é ignorar o ápice técnico de um gênio da aquarela, com um conhecimento derivado, presumivelmente, de gerações de estudos intensos passados adiante. Em pinturas como Marooning (Abandono), uma espécie de bucolismo é apresentado, revelando a introspecção do artista — que se hospedava em Cookham e Marlow e pintava cenas fluviais.

Essa pintura é a versão aquarelada da mesma obra em óleo, do mesmo ano. As cores brilhantes e o reflexo na água que ressaltam a natureza da imagem são intensificadas pelo próprio material controlado por água. Já a versão em óleo, apesar de impecável, não possui a leveza da aquarela, com seus tons menos saturados e mais carregados. Ao compararmos um trabalho com o outro, contemplamos o seu sucesso ímpar como aquarelista.

Falar de um artista excelente como Edward John Gregory, apesar de inspirador, desperta também a melancolia. Ele foi moderadamente reconhecido em vida e pouco depois dela. É possível encontrar um de seus belíssimos trabalhos mencionados aqui em sites de leilões, vendido por 2 mil libras — e isso falando de um artista relativamente bem-sucedido em seu tempo. O limbo do qual mencionei anteriormente é um dos destinos mais agridoces para um artista, ideia que quis trazer para este projeto no blog com o nome Chiaroscuro — técnica de luz e sombra para criar contrastes dramáticos, amplamente utilizada no Renascimento e Barroco, representando a dualidade da excelência e do apagamento; e também denotando o próprio intuito desta série de textos, sendo este trazer luz para grandes artistas pouco estudados como Edward John Gregory.
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Texto por: Bibistriz (Beatriz Amaro)
Edição: Lorenzo Cuervo
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Referências:
Wikipedia. Edward John Gregory. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Edward_John_Gregory
Tate. Edward John Gregory 1850–1909. Disponível em: https://www.tate.org.uk/art/artists/edward-john-gregory-223
Lyon & Turnbull. Edward John Gregory – Design Since 1860, Lote 58. Disponível em: https://www.lyonandturnbull.com/auctions/design-since-1860-810/lot/58
Bonhams. Edward John Gregory (British, 1850–1909), Portrait of Leslie Newall reclining on a sofa – Lote 58. Disponível em: https://www.bonhams.com/auction/28104/lot/58/edward-john-gregory-british-1850-1909-portrait-of-leslie-newall-reclining-on-a-sofa/
Art UK. Discover Artworks by Edward John Gregory. Disponível em: https://artuk.org/
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